Recebido em: 8 de março de 2017
Aceitação: 19 de junho de 2017
Este texto faz parte de um projeto de pesquisa realizado no Centro de Reinserção Social para Homens Santa Marta, na Cidade do México, cujo principal objetivo era conhecer a prática do culto à "Santa Muerte" nessa instituição prisional. Vários temas surgiram dessa proposta, sendo um deles o uso do corpo e sua relação com as práticas religiosas em um contexto em que o controle é onipresente. Primeiro examinaremos em que consiste esse controle prisional e depois consideraremos a importância do corpo como forma de resistência a esse poder prisional.
Palavras-chave: altares, corpo, prisão, resistência, Santa Muerte, tatuagens
Os altares do corpo como resistência ao poder da prisão
O presente ensaio descreve uma pesquisa selecionada realizada no Centro de Reinserção Social Masculino de Santa Marta, na Cidade do México, cujo principal objetivo era entender as práticas religiosas da Santa Muerte nesse centro correcional. A proposta deu origem a uma série de questões, incluindo o uso do corpo e a relação do corpo com as práticas religiosas, em um contexto em que o controle é onipresente. A natureza desse controle relacionado à prisão é revelada para, em seguida, apresentar uma tese sobre a importância do corpo como um meio de resistir ao poder relacionado à prisão.
Palavras-chave: Santa Muerte, prisão, corpo, tatuagens, altares, resistência.
O culto à Santa Muerte é um dos fenômenos religiosos cuja expansão e difusão têm sido constantes desde a primeira década deste século no México e chegou até mesmo aos Estados Unidos; ele se posicionou como mais uma oferta no mercado religioso mexicano.
O culto foi objeto de várias pesquisas que tentaram responder a origem dessas crenças, mas sempre começando com o símbolo da morte e sua transformação em nossa cultura (Malvido, 2005; Lomnitz, 2006; Perdigón, 2008). Outras pesquisas tentaram explicar alguns dos processos sociais que permitiram que a Santa Muerte tivesse tantos seguidores e se expandisse em várias partes do país (Fragoso Lugo, 2007; Kristensen e Adeath, 2007; Castells Ballarin, 2008; Reyes, 2010).
Algo que não passou despercebido nesse culto são seus devotos e as características do setor sociocultural ao qual muitos deles pertencem. Entre os vários estudos que abordaram direta ou indiretamente o tema da Santa Muerte, foi capturada a relação entre esse número e a população carcerária (Lerma, 2004; Payá, 2006; Payá et al2013) ou que têm familiares que foram presos (Kristensen, 2011, 2015; Fragoso Lugo, 2007).
Somente na Cidade do México, de 1992 a 2005, a população carcerária aumentou consideravelmente, assim como o número de altares de rua da Santa Muerte, cujo número aumentou especialmente em lugares como Nezahualcóyotl, Ecatepec, Atizapán de Zaragoza, Chimalhuacán. "Esses altares também estavam em áreas com altos níveis de violência e grandes populações carcerárias".2 (Kristensen, 2011: 551).
O sistema penitenciário apresenta várias ambiguidades, inclusive corrupção dentro do sistema judiciário. Muitos dos prisioneiros são frequentemente detidos antes de serem investigados e durante as investigações, ou seja, passam pelo menos seis meses na prisão durante "o processo". Alguns são presos sem serem culpados ou cumprem longas penas por delitos menores. Nesse tipo de situação, aparece a Santa Muerte, que recompensa e pune, uma figura sagrada tão ambígua quanto o próprio sistema judiciário. Muitos dos presos,3 De acordo com Regnar, eles se aproximam de Santa Muerte pedindo que ela acelere o processo para obter uma sentença e deixe a incerteza do processo prisional.
Até o momento, apenas alguns estudos trataram indiretamente da presença da Santa Muerte na prisão. O sociólogo Víctor Alejandro Payá descobriu que, dentro das prisões, a morte e o demônio são adorados (2006: 243). Por outro lado, uma investigação realizada em uma prisão feminina explica como, na vida cotidiana do confinamento, algumas prisioneiras mantinham crenças mágicas, entre elas a da Santa Muerte:
Os prisioneiros acreditam nela como um refúgio, especialmente porque, segundo eles, ela é a única que "satisfaz seus caprichos", e estando em um lugar cheio de incertezas, onde a liminaridade absorve e viver é como estar morto, acreditar em Santa Muerte é se apegar àquela que os entende (Lerma, 2004: 128).
Este artigo faz parte de uma investigação mais ampla (Yllescas, 2016) realizada no Centro de Reabilitação Masculina Santa Marta, na Cidade do México, cujo principal objetivo era descobrir como o culto à Santa Muerte era praticado em um local de prisão. Entre os resultados dessa pesquisa estava a forma como os detentos usam seus corpos como uma forma de resistência ao poder da prisão, usando tatuagens para se marcarem com diferentes símbolos, a maioria dos quais alude a questões religiosas e familiares. Além disso, o corpo se torna um altar ou repositório de rituais que permite que os presos estabeleçam uma conexão com o sagrado. Uma das regras da prisão é que, lá dentro, você só precisa ver, ouvir e ficar em silêncio.
Prisão (jail, fazenda de gado leiteiro, barco, cana são alguns dos nomes dados a ela) é, sem dúvida, uma instituição de controle. Citando Foucault, que em sua proposta teórica define a prisão como uma instituição onidisciplinar, ela é "um aparato disciplinar exaustivo. Em vários sentidos: deve tratar de todos os aspectos do indivíduo, de sua educação física, de sua aptidão para o trabalho, de sua conduta cotidiana, de sua atitude moral" (Foucault, 2005: 235). Ela representa um espaço de confinamento onde ocorrem interações específicas de natureza disciplinar.
Da mesma forma, a prisão pode ser entendida como uma instituição total, que Goffman define como
um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, isolados da sociedade por um período de tempo considerável, compartilham em seu confinamento uma rotina diária formalmente administrada (2007: 13).
Entre essas instituições, ele distingue pelo menos cinco tipos: aquelas que servem para cuidar de pessoas inofensivas, como lares para idosos; aquelas que cuidam de pessoas que não podem cuidar de si mesmas e são uma ameaça não intencional à sociedade, como hospitais psiquiátricos; um terceiro tipo de instituição total é organizado para proteger a comunidade contra aqueles que intencionalmente constituem um perigo para ela, e as prisões pertencem a esse tipo; outro grupo de instituições é deliberadamente destinado ao melhor cumprimento de uma tarefa de caráter trabalhista e, por fim, ele menciona estabelecimentos concebidos como abrigos do mundo.
Assim, o sociólogo classifica as instituições totais pela semelhança que apresentam em suas dinâmicas de interação; nas prisões há aqueles que são "intencionalmente" perigosos e aos quais não é garantido o bem-estar. Entre suas características estão o rompimento com as atividades comuns (dormir, brincar, trabalhar, comer) que os sujeitos normalmente realizam fora de casa sem nenhuma autoridade para mediá-las, enquanto nas instituições totais essas atividades estão sujeitas a autoridades, programadas com um plano racional a ser executado; além disso, são realizadas no mesmo local e sob a mesma autoridade. A atividade diária dos membros da instituição é realizada na companhia imediata de um grande número de outras pessoas, que são tratadas da mesma forma e precisam fazer as mesmas coisas juntas.
Outra característica importante das instituições totais são os aparatos burocráticos encarregados de lidar com as necessidades dos detentos da instituição. Entre a burocracia está a equipe de custódia. Esses funcionários não são encarregados de dar orientação ou fazer inspeções regulares das pessoas sob seus cuidados, mas de
para garantir que todos façam o que lhes foi claramente exigido, em condições em que a infração de um indivíduo provavelmente se destacaria em relevo singular contra o pano de fundo da subjugação geral, visível e comprovada (Goffman, 2007: 20).
Ou seja, há um grupo subjugado, os presos, e um pequeno grupo de funcionários que os gerencia e que são os supervisores.
Os presos vivem dentro de casa e têm contato limitado com o mundo além dos muros da instituição total, enquanto o restante da equipe (burocrática) trabalha poucas horas e sai constantemente. Os presos e os funcionários geralmente se representam mutuamente em estereótipos rígidos,
Os funcionários tendem a julgar os detentos como cruéis, traumatizados e indignos de confiança; os detentos tendem a considerar os funcionários como petulantes, despóticos e mesquinhos. Os funcionários tendem a se sentir superiores e justos; os presos tendem a se sentir inferiores, fracos, culpados e culpados (Goffman, 2007: 21).
A comunicação entre os dois estratos é regularmente restrita e realizada com tons de voz especiais; as informações são frequentemente limitadas entre os dois, especialmente os planos dos funcionários em relação aos detentos; as restrições ao contato ajudam a manter os estereótipos.
A atividade de trabalho é programada pela parte burocrática da instituição; nesse sentido, o incentivo ao trabalho não tem o significado que tem fora dela, de modo que diferentes atitudes e motivações em relação ao trabalho são geradas por parte dos detentos; Essa situação pode levar ao fato de que o pouco trabalho exigido gera tédio entre os detentos, pois o trabalho pode ser lento e com pagamento mínimo, mas também há instituições totais nas quais "é exigido mais do que um dia comum de trabalho árduo e, para incentivar o cumprimento, não são oferecidas recompensas, mas ameaças de punição física" (Goffman, 2007: 23).
Outro controle que as instituições totais exercem sobre os detentos está em suas relações familiares. O contato com a família é controlado e até programado. Mas também é importante que os detentos tenham contato com suas famílias e, assim, sejam removidos da instituição total; é uma garantia de resistência permanente contra as instituições totais. Em geral, Goffman diz que "a instituição total é um híbrido social, parte comunidade residencial e parte organização formal" (2007: 25) e, portanto, é importante para a análise sociológica e antropológica.
Foi muito importante levar em conta essa perspectiva teórica na pesquisa, pois ela aborda o papel da religiosidade em torno da Santa Muerte em uma instituição de tipo prisão total, a partir da perspectiva dos espaços dos funcionários e dos espaços dos detentos. Dessa forma, é possível entender como os detentos se apropriam de seus espaços, colocando altares ou imagens religiosas em suas celas ou nos corredores, aplicando uma racionalidade diferente da dos funcionários da prisão, que projetaram os espaços dos detentos com outras funções.
Em instituições totais, como as prisões, todas as atividades são organizadas e controladas pelo aparato burocrático ou pela equipe. As práticas religiosas não escapam a esse controle, pois os funcionários que administram a prisão estabelecem regras para que elas possam ser realizadas ou não. Embora no discurso da legalidade e dos direitos que cada pessoa tem, esteja estabelecido que todos são livres para praticar ou não uma religião, dentro das prisões essa liberdade é geralmente respeitada, mas com algumas restrições.
No Centro Varonil de Reinserción Social há duas capelas nas áreas comuns, uma católica e outra protestante, nas quais são realizadas atividades para recreação familiar ou para que os presos tentem mudar e refletir sobre seu comportamento. Os funcionários da prisão reconhecem como boa prática uma mudança perceptível no comportamento dos detentos que participam de atividades nas igrejas católica e protestante.
Em ambas as capelas, são realizadas cerimônias religiosas, a Bíblia é lida e até retiros espirituais são organizados na capela católica. Ou, no caso da capela protestante, os pastores vêm de diferentes lugares para ajudar os presos. No entanto, nem todos os prisioneiros frequentam as capelas por causa de sua fé, mas por causa dos benefícios que podem obter tanto em seu processo de sentença quanto em termos mais imediatos, pois podem receber alimentos ou produtos de limpeza, que não são fáceis de obter dentro da prisão.
Por outro lado, os detentos que praticam outras práticas religiosas, como a Santa Muerte, são proibidos de montar altares ou colocar efígies em espaços públicos dentro da CEVARESO. Os locais para a prática da Santa Muerte ou do culto ao demônio e da Santeria são as celas e os corredores, espaços que não são acessíveis ao público e são mantidos escondidos da vista dos familiares e de outras autoridades. É uma forma de encobrir esse tipo de religiosidade dentro da prisão, que faz parte de um estigma negativo, pois é considerado típico de presos que não mudaram seu comportamento criminoso.
O controle da expressão religiosa na prisão é muito claro, pois é permitido colocar imagens ou símbolos religiosos católicos em espaços abertos, como cantinas.
Embora os agentes penitenciários tentem estabelecer um sistema de controle sobre todas as atividades dos detentos, na realidade esse sistema tem seus limites; por exemplo, há espaços em que os detentos vivem diariamente, como suas celas; há prisões cujos espaços de convivência são projetados para cinco ou seis detentos, mas na realidade até vinte pessoas vivem neles, o que dá origem a disputas e formas muito singulares de acomodar os detentos nesses pequenos espaços, e os detentos geram suas próprias alternativas para viver neles.4
No CEVARESO, não há esse problema de alojamento celular; lá, uma cela projetada para cinco detentos geralmente tem cinco detentos. Há até mesmo uma área de celas individuais onde são mantidos os presos que têm "bom comportamento" e que demonstraram "melhora". Dentro das celas, é possível corroborar quais presos têm dinheiro e quais não têm, pois alguns deles têm televisores, colchões, estantes; ou seja, embora os espaços sejam concebidos e projetados para uma determinada forma de convivência, os presos fazem seus próprios ajustes e deixam sua identidade marcada.
Caminhando pelos corredores e celas do CEVARESO, é possível ver diferentes murais, muitos deles tendo a Santa Muerte como figura central, outros o demônio, santos católicos e muitos são apenas os nomes de alguns dos detentos que estiveram lá. Dessa forma, os prisioneiros se apropriam da prisão, usando imagens com as quais se identificam ou que representam seu desejo de liberdade.
Nos murais, as figuras religiosas aparecem acompanhadas de seus devotos, seja por meio do contorno de um corpo ou com a marca de seu nome; além disso, figuras que se referem ao acaso, como dados, são frequentemente pintadas, pois eles vivem em constante incerteza; eles também fazem referência ao peso do tempo na prisão, retratando figuras de elefantes ou relógios nos murais.
Dentro das celas, os presos costumam colocar altares repletos de figuras feitas de diferentes materiais e acompanhados de murais com a figura do santo; essa atividade é uma forma de resistência ao controle da prisão, já que esses espaços foram originalmente projetados para colocar pertences pessoais, como roupas, e os presos se apropriam deles com suas crenças e práticas religiosas.
Além dos murais nos corredores e dos altares nas prateleiras, há também o corpo dos detentos, que entra na mesma dinâmica de resiliência, pois
torna-se um território privilegiado para a ação institucional. O corpo cativo é propriedade do Estado, e o desafio do Estado é aprisioná-lo; um corpo desejante, em contínuo movimento, sempre à beira do tumulto e da transgressão, razão pela qual sempre será um alvo a ser subjugado (Payá, 2006: 271).
Embora, na realidade, o corpo dos detentos não seja totalmente controlado e se torne um dos limites do poder e do controle da prisão, uma vez que "o corpo é uma realidade significada" (Augé, 1998: 64) com uma individualidade caracterizada por experiências e fisionomias individuais com as quais os detentos se diferenciam e se individualizam por meio da incorporação de símbolos por meio de tatuagens, que se tornam parte do corpo, personificando-o e dando-lhe um senso de autonomia.
Dessa forma, os presos decidem em que parte do corpo colocar a tatuagem, as figuras que preferem de acordo com suas crenças ou história pessoal. Por meio das marcas de tinta em sua pele, os detentos relembram sua vida em liberdade ou com a família, capturam suas experiências na prisão e também expressam sua fé por meio das tatuagens.
Embora o uso de tatuagens seja uma prática muito comum, nem todos os presos são tatuados, mas uma boa porcentagem é.5 As imagens mais frequentes são, em sua maioria, imagens religiosas, como a Virgem de Guadalupe, Cristos, cruzes, demônios, Santa Muerte. Ou também há tatuagens de rostos humanos, nomes de pessoas, datas significativas, figuras psicodélicas, frases famosas, entre muitas outras.
As tatuagens variam em suas formas, tamanhos e na parte do corpo onde são colocadas, seja nas costas, no rosto, no pescoço, na canela, na panturrilha, nos braços, nos peitorais, nas mãos, nos dedos. Os tamanhos variam desde os muito pequenos - como os feitos nos dedos - até os muito grandes, que cobrem todo o dorso ou o braço.
No caso das práticas religiosas, as tatuagens se tornam um meio de vincular o portador ao seu numen. Por meio delas, os detentos podem se proteger do mal ou invocá-lo, incorporam os pactos com suas crenças e lhes dão uma identidade. Mas essa identidade não é exatamente aquela que alude ao pertencimento a um grupo, mas aquela que nasce de uma decisão pessoal, de modo que
a escolha do desenho responde, acima de tudo, a uma iniciativa pessoal e a uma preferência estética, não é um gesto de adesão. A ligação com o cosmos só pode existir, metaforicamente, se a história do indivíduo a articular por meio de um simbolismo que pertence somente a ele (Le Breton, 2013: 46).
Na prisão, os corpos dos presos adornados com tatuagens religiosas são semelhantes a altares.6Porque, assim como os depósitos rituais, as tatuagens religiosas são colocadas no corpo com uma função e uma racionalidade específicas. Assim como os objetos são colocados em um altar, colocados e protegidos para uma finalidade específica, a tinta é colocada no corpo para comemorar a fé; ambos são meios de criar um vínculo com o sagrado.
Os altares recebem um espaço físico para a realização de todos os tipos de práticas rituais. Uma parte do corpo do devoto é usada para colocar tatuagens, que depois são usadas para o ritual.
Os altares servem para exibir as preferências religiosas de cada devoto, e cada um dos objetos ali colocados tem uma história significativa para aqueles que os montam e os guardam. Da mesma forma, o corpo se torna um altar, pois os fiéis geralmente exibem suas tatuagens e mostram por meio delas suas afiliações religiosas. A tatuagem religiosa tem uma história significativa para quem a usa. Os presos incorporam suas crenças por meio de suas tatuagens religiosas e, por meio delas, procuram sentir o sagrado em seu corpo, e o corpo se torna um veículo de devoção.
Em algumas entrevistas com os detentos, eles foram questionados sobre suas tatuagens e, quando falavam sobre o significado ou a história de sua tatuagem, faziam-no enquanto a tocavam ou acariciavam, direcionando a mão e o olhar para ela. O gesto corporal era como o de guardar algo de valor, com movimentos sutis das mãos e dos olhos, como se estivessem se lembrando de algo.
Algumas das histórias das tatuagens se referiam a um pacto ou promessa que os prisioneiros fizeram com a Santa Muerte, como o preso conhecido como "el Gato" (o Gato). Ele, além de trabalhar em uma comissão dentro da CEVARESO, também se dedicava à venda e ao arranjo de figuras da Santa Muerte feitas de papel machê. "El Gato" tinha muitas tatuagens. Ele conhecia a Santa Muerte desde que era jovem em Oaxaca, graças a uma tia; "El Gato" concebe a Santa Muerte como uma bela mulher, uma virgem que deu sua carne por causa de uma criança e foi assim que ela ficou apenas com o esqueleto.
A santa o ajudou a acompanhar seu irmão, que foi despejado, durante sua agonia. "El Gato" prometeu a Santa Muerte que se ela o deixasse sair da prisão nos Estados Unidos para que ele pudesse ver seu irmão morrer, ele faria uma tatuagem dela. Em seu pedido, ele disse a ela que se ela quisesse que ele voltasse para a prisão após a morte de seu irmão, e é por isso, diz ele, que agora está preso novamente.
Na prisão, ele faz figuras de Santa Muerte que vende entre os próprios detentos, e também as faz sob encomenda e as vende do lado de fora. "El Gato" também sabe pintar, ele até pintou um dos murais da Santa Muerte nos corredores. Ele diz que vender as Santas Muertes é uma maneira de ganhar dinheiro na CEVARESO e, dessa forma, também o ajuda. Ele já foi "picado" em uma briga e diz que foi salvo pela Santa Muerte. Outro milagre foi o fato de ele ter conseguido ver seu pai novamente depois de vários anos.
R: E você tem tatuagens do Santo?
G: Das madrinhas que eu tenho... Todas elas estão incompletas.
R: Por que, onde você os faz?
G: Na prisão, a maioria deles está aqui.
R: Mas quem os faz para você?
G: Eu, todos esses aqui foram feitos por mim.
R: Como você as faz, existem máquinas de tatuagem...?
G: Não, mas você recebe um.
R: Como você os faz?
G: Bem, com o motor de um rádio ou manualmente, basta pegar as agulhas...
R: O que é a tinta?
V: Bem, de penas... Eu sei pintar.
R: E você as desenhou?
G: Esses são os túmulos do meu irmão, do meu amigo, isso significa a prisão, esses são...
R: Qual deles é da prisão?
G: Aquela com as correntes. E aqui eu tenho, se você reparar, essa aqui; eu estava tatuando coisas que eu fazia quando era criança, quando não sabia o que era tatuagem porque também é cultura, como arte, e aqui eu tenho o significado, os túmulos dos meus irmãos, do meu amigo, e caveiras de pessoas que eu conheci que eu coloquei em forma de caveira e aqui eu tenho a madrinha vestida como se fosse a Virgem de Guadalupe, ela significa vida e morte. Meu sobrenome é Rosário, essa cruz é a cruz, você pode ver que tem uma caveira no meio, todas as outras, como essas, são só caveiras, mas eu quis tatuar, porque essa parte aqui está incompleta, eu vou te mostrar: a pessoa que está atrás não é a Virgem de Guadalupe, é a Virgem de Fátima, aquela que supostamente é a Morte antes de ser assim.
R: Para fazer uma tatuagem aqui, você, por exemplo, diz que com suas máquinas, mas se não, a outra pessoa cobra por elas ou são favores entre vocês?
G: Não, porque entre nós, quando arranhamos, às vezes, "faça isso para mim e eu farei isso para você". Em troca de coisas, como costumavam fazer antes, um escambo.
R: Quantas tatuagens você tem no total?
G: Tenho sete crânios, e aqui estou fazendo minhas costelas até abaixo da cintura. São cerca de nove.
(Entrevista com Adrián Yllescas, fevereiro de 2015).
As tatuagens de Santa Muerte, além de representarem os pactos que os detentos fazem com ela, também funcionam como amuletos, pois eles se sentem protegidos; outra de suas funções é lembrá-los de um evento difícil. Por exemplo, as tatuagens de Paredes o ajudaram a não se intimidar quando ele entrou na CEVARESO. Quando os prisioneiros o receberam, iam bater nele, mas quando viram que ele tinha a tatuagem de Santa Muerte, não fizeram nada.
R: Essa tatuagem foi útil para você, para alguma coisa aqui?
P: Não, é, não é? Você deve perceber que há muitas bandas aqui. envelopesMas quero dizer, eu ando normalmente com minha camiseta. Quando eu cheguei no começo, "Llégale, puto, qué onda, vamos ver, o que você tem?" e quando eles fazem isso (giram o braço) eles veem a imagem, eles a veem e "Chale carnal, abre, vai jogar um papel", passa outro que não tem uma imagem e não tem uma proteção. "Eles os colocam em um cobertor, começam a formá-los: "Vamos ver, me dê alguns chocolates". (Entrevista, Adrián Yllescas, fevereiro de 2015).
Foi possível observar como as práticas religiosas dentro da prisão são de alguma forma controladas, tanto as de religiões institucionais cuja função é conter e controlar os presos por meio de disciplinas rígidas, com o objetivo de corrigir os presos que decidem participar dessas atividades religiosas que visam orientar e ajudar os presos por meio dos ensinamentos de Deus. Essas religiões institucionais servem como um meio de controle institucional.
Por outro lado, outros sistemas de crenças, como a Santa Muerte, servem como formas de resistência ao poder prisional, pois os prisioneiros se apropriam dos espaços para expressar essas crenças e são livres para realizá-las de acordo com suas possibilidades.
O corpo também é usado para expressar a resistência ao controle da prisão por meio de tatuagens, que são uma forma de corporeificação das crenças. Os detentos transformam seu corpo em um altar, onde desenham em sua carne as memórias, experiências e símbolos que lhes dão identidade, e isso se torna um meio de conexão e ligação com suas entidades sagradas. As tatuagens no corpo são uma forma de mostrar que eles não podem ser completamente despojados, que ainda estão ligados ao exterior, mesmo que esse exterior só possa ser constantemente lembrado por meio de um desenho de tinta em sua pele.
Augé, Marc (1998). Dios como objeto. Símbolos-cuerpos-materias-palabras. Barcelona: Gedisa.
Castells Ballarín, Pilar (2008). “La Santa Muerte y los derechos humanos”, LiminaR. Estudios Sociales y Humanísticos, año 6, vol. vi, núm. 1, junio.
Fragoso Lugo, Perla (2007). “La muerte santificada. La fe desde la vulnerabilidad: devoción y culto a la Santa Muerte en la ciudad de México”. Tesis de maestría en antropología social. México: CIESAS.
Foucault, Michel (2005). Vigilar y castigar. Nacimiento de la prisión. México: Siglo XXI.
Goffman, Erving (2007). Internados. Sobre la situación social de los enfermos mentales. Buenos Aires: Amorrortu.
Lerma Rodríguez, Enriqueta (2004). “Ritos institucionales e instituyentes y creencias mágicas en el Centro Femenil de Readaptación Social de Tepepan”. Tesis de licenciatura en sociología. México: fes-Acatlán.
Kristensen, Regnar (2011). Postponing Death. Saints and Security in Mexico City. Universidad de Copenhagen, Departamento de Antropología, Facultad de Ciencias Sociales. PhD Series núm. 68.
— (2015). “La Santa Muerte in Mexico City: The Cult and its Ambiguities”. Journal of Latin American Studies, 47, pp.543-566.
— y Caludia Adeath (2007). La Muerte de tu lado. México: Casa Vecina, colección Libros de la Meseta.
Le Breton, David (2013). El tatuaje. Madrid: Casimiro.
Lomnitz, Claudio (2006). La idea de la Muerte en México. México: fce.
Malvido, Elsa (2005). “Crónicas de la Buena Muerte a la Santa Muerte en México”, Arqueología Mexicana, vol. XIII, núm. 76, noviembre-diciembre, pp. 20-27.
Payá, Víctor (2006). Vida y muerte en la cárcel. Estudio sobre la situación institucional de los prisioneros. México: Plaza y Valdés/unam-Facultad de Estudios Superiores Acatlán.
— (coordinador), Grissel López, Jovani Rivera y Quetzalli Rojas (colaboradores) (2013). Mujeres en prisión. Un estudio socioantropólogico de historias de vida y tatuaje. México: Juan Pablos Editor/unam-Facultad de Estudios Superiores Acatlán.
Perdigón Castañeda, Katia J. (2008). La Santa Muerte protectora de los hombres. México: inah.
Reyes Ruiz, Claudia (2010). La Santa Muerte. Historia, realidad y mito de la “niña blanca”. México: Porrúa.
Rivera, Jovani (2011). Cuerpo y ritualidad moderna: inscripciones corporales en mu- jeres prisioneras. Tesis de licenciatura en Sociología. Ciudad de México: Facultad de Estudios Superiores Acatlán, unam.
Yllescas Illescas, Jorge Adrián (2016). “La Santa Muerte: historias de vida y fe desde la cárcel”. Tesis de maestría en en Antropología, México, UNAM-FFYL/IIA.