Debates sobre patrimônio cultural e comercialização de expressões coletivas

Recepção: 31 de janeiro de 2022

Aceitação: 14 de fevereiro de 2022

Na última década, uma onda de acusações foi lançada contra marcas e empresas por usarem elementos culturais de grupos indígenas. No México, vários casos tiveram uma ressonância considerável: a reclamação da comunidade Mixe de Tlahuitoltepec contra a empresa francesa Isabel Marant por copiar sua blusa Xaam nïxuy; o protesto da Secretária de Cultura, Alejandra Frausto, contra a grife Carolina Herrera por usar bordados de Tenango de Doria e o sarape de Saltillo; e, em três ocasiões diferentes, a empresa de roupas da moda Zara foi acusada de plágio por usar desenhos de Aguacatenango, Chiapas.

Embora possa parecer injusto que empresas privadas se apropriem e lucrem com a iconografia e os desenhos produzidos por comunidades indígenas, o que é menos óbvio é como os direitos sobre expressões culturais coletivas devem ser considerados. Desenvolvidos coletivamente, transmitidos de geração em geração, esses produtos também são vendidos como mercadorias. Quem são os proprietários e que direitos eles têm sobre esses produtos? O que acontece quando os produtos culturais são separados do conjunto de práticas, conhecimentos e modos de vida que estão entrelaçados em sua produção?

Várias respostas institucionais e legais foram formuladas para reconhecer as características particulares das expressões culturais. A UNESCO aprovou em 2003 a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, que reconhece a dimensão viva e dinâmica do patrimônio cultural, a principal fonte de identidade de grupos e comunidades. Na Guatemala, o Weavers' Movement (Movimento dos Tecelões) liderou a reforma da lei para que as tecelagens maias fossem reconhecidas como propriedade intelectual coletiva dos povos indígenas. Recentemente, no México, em 2019, o Senado aprovou a Lei para a Salvaguarda do Conhecimento, da Cultura e da Identidade dos Povos e Comunidades Indígenas e Afro-Mexicanos, que busca evitar o uso indevido e a apropriação indevida do conhecimento, da cultura, das expressões e da identidade das comunidades indígenas e afro-mexicanas com base em seus direitos coletivos e inalienáveis sobre esses elementos.

Nesta edição da Encartes, convidamos pesquisadores a compartilhar suas reflexões sobre essas questões relacionadas ao patrimônio da iconografia indígena e aos direitos culturais das comunidades indígenas.

Em um mundo capitalista, focado na proteção da propriedade individual, como se deve pensar nos direitos sobre expressões culturais coletivas?

O mundo capitalista, colonial e patriarcal goza de boa saúde graças à desapropriação permanente dos bens, da vida e da sabedoria milenar dos povos indígenas, afrodescendentes e rurais. Assim, empresas transnacionais de grande poder penetram violentamente em todos os cantos do mundo para privatizar o que não foi privatizado, apropriando-se da autoria intelectual e material das sementes, da medicina, da arte, dos alimentos, da música etc. Todo o conhecimento que há milênios vem sendo criado e protegido por lógicas comunitárias, comunais ou coletivas em diversos povos é considerado pelos capitalistas como "conhecimento de ninguém" ou "conhecimento sem dono" se não for incorporado à lógica da propriedade individual. Isso aconteceu com as sementes ancestrais quando empresas criminosas introduziram modificações em suas células e reivindicaram a propriedade de toda a semente; isso também aconteceu com os tecidos dos povos nativos quando empresas ou indivíduos introduziram pequenas modificações neles e se apropriaram de conhecimentos milenares.

Portanto, para responder à pergunta, o capitalismo, antes de proteger a propriedade individual, rouba-a dos outros e, quando a tem, constrói mecanismos legais para proteger o que tomou. Diante disso, os povos têm buscado construir mecanismos para proteger o que lhes pertence e têm encontrado opções que caminham lado a lado com a forma como o Ocidente os tem nomeado: como "etnias" e "culturas". Assim, embora a vida dos povos indígenas seja um todo inseparável, o Ocidente insiste em nomear suas criações como "expressões culturais", isolando o que nomeia como "cultura" do âmbito político, econômico, epistemológico e ontológico. Embora o conceito de "expressões culturais coletivas" seja problemático, muitos povos o estão usando para buscar proteger seu conhecimento em vários campos.

Há outros processos que aspiram a ser construídos dentro da estrutura de soberania, autodeterminação e autonomia dos povos; isso significa desconsiderar o Estado como entidade governante ou legitimadora de sua existência.

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A validade dos direitos coletivos implica o reconhecimento de sujeitos igualmente coletivos como legítimos depositários de determinados bens de interesse e uso comum, como o território e o patrimônio cultural. Há bens atribuídos a determinados grupos ou setores empresariais, como as cooperativas, cuja titularidade é reconhecida sob a figura das marcas coletivas, mas nem por isso deixam de exercer exclusividade e monopólio sobre eles. Não é esse, porém, o caso da propriedade coletiva, que se estende ao povo e a toda a comunidade. Os chamados comuns seriam um caso representativo desse tipo de propriedade. Atualmente, os direitos coletivos são inalienáveis e imprescritíveis e se referem à defesa do território, da cultura e da identidade.

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Responderei às perguntas falando também sobre incertezas.

Podemos concordar com a expansão e o domínio do capitalismo em escala global, mas também devemos admitir sua realização diferenciada, porque ele não age sozinho, mas em meio a outras existências e resistências. Como muitos autores têm sugerido atualmente, o entrelaçamento de múltiplas existências e a extensão de mundos diferentes problematizam e desestabilizam o capitalismo e as identidades.

A formulação da primeira pergunta deve ser questionada porque pressupõe que o mundo capitalista está centrado na proteção da propriedade individual. As operações legais das grandes corporações, por exemplo, desafiam essa suposição.

"Em um mundo capitalista, focado na proteção da propriedade individual, como se deve pensar em direitos sobre expressões culturais coletivas?" - Minha posição é que generalizações como "um mundo capitalista" e "propriedade individual" devem ser descartadas em primeiro lugar, porque desde o início esses termos e a relação entre eles exigem complexificação.

Quanto à segunda parte da pergunta, "como pensar", gostaria de salientar que há muitos que estão pensando, escrevendo e discutindo essas questões. Mas acrescento que também é necessário considerar quais pensamentos são transmitidos pelas ações e movimentos indígenas diante dos sucessivos e seculares ataques a suas vidas, territórios, criações e bens. As possíveis respostas, que são diversas, estão nelas.

Na terceira parte, gostaria de advertir que não se trata apenas de expressões culturais, mas de existências, relações sociais e vidas que também são feitas nessas e com essas criações culturais. Essa advertência conota as respostas anteriores e, portanto, dificulta respostas diretas e simplificadas.

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Um dos pontos interessantes que a discussão sobre a proteção de expressões culturais trouxe à tona é a opressão e a exclusão de grupos vulneráveis da lei. No caso específico do México, os povos nativos, indígenas ou afro-mexicanos colocaram no centro do debate a necessidade de desconstruir a lei e pensá-la não apenas a partir de uma perspectiva individualista, mas também coletiva.

A lógica seguida atualmente no campo do direito é a de proteger essas expressões culturais coletivas do ponto de vista mercantil e individual, por isso as instâncias da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (ompi), pertencentes à un, insistem em propor o sistema de propriedade intelectual como o caminho mais adequado; no entanto, a experiência tem demonstrado que esse caminho não resolve os principais problemas encontrados atualmente. Esse é o caso das estruturas jurídicas de propriedade intelectual coletiva ou sui generis do Brasil, Costa Rica, Peru, Nicarágua e Venezuela, que protegem a expressão.

Entretanto, é necessário estabelecer que essa perspectiva do direito se concentra na proteção de objetos, de criações; no entanto, os direitos sobre expressões culturais coletivas devem estar centrados na pessoa, portanto, como o Dr. Francisco López Bárcenas aponta, esses direitos devem ser entendidos como um direito vinculado à identidade cultural, bem como a uma estreita relação com os territórios.

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Conceitos como patrimônio cultural intangível, apropriação cultural e "extrativismo epistemológico" representam um passo em direção à autonomia dos grupos indígenas e à diversidade cultural? De que forma e até que ponto?

Como eu disse anteriormente, esses conceitos são os que se tornaram oficializados ou disponíveis para as lutas de defesa do conhecimento; muitas comunidades fizeram uso deles, e o fato de serem oficiais não significa que sejam fáceis de usar ou respeitados pelo sistema capitalista. Mas é vital reconhecer que os conceitos de "patrimônio", "herança cultural", "patrimônio cultural intangível" ou "apropriação cultural" nem sempre representam um avanço na autonomia dos povos indígenas; pelo contrário, em muitos casos, eles se tornam camisas de força dentro das quais reivindicações mais complexas, mais profundas e mais politicamente carregadas devem ser acomodadas.

No Movimento dos Tecelões Maias da Guatemala, as roupas e criações têxteis maias não são consideradas "patrimônio cultural", muito menos "patrimônio do Estado", mas sim o conhecimento coletivo e as criações dos povos maias, elaboradas principalmente por mulheres no contexto da autonomia de suas vidas. Decidiu-se usar "patrimônio dos povos indígenas", que é mais específico. Mas, de qualquer forma, para proteger suas próprias criações coletivas, os povos originários tiveram que adotar conceitos que contradizem suas epistemologias, como "patrimônio", "propriedade" etc.

O conhecimento dos povos está apenas começando a ser nomeado como "patrimônio" ou "propriedade" em face da perseguição e do roubo permanentes dos sistemas capitalistas coloniais e patriarcais. Sem essa perseguição, as sementes, os medicamentos, os alimentos, os têxteis etc. fazem parte de suas vidas cotidianas. No entanto, há também a dificuldade de que, em algum momento, pode-se esquecer que conceitos como "patrimônio", que foram estrategicamente adotados para defender um bem, podem se tornar naturalizados. E isso pode levar a diferenças entre aqueles que se apegam às definições oficiais, que estão até mesmo dispostos a negociar com os Estados para que eles lhes ofereçam alguma proteção, e aqueles que lutam para encontrar saídas mais alinhadas com a soberania, a autonomia e a autodeterminação que não os tornem dependentes do Estado.

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O "extrativismo epistemológico" é uma noção que tem sido útil para denunciar e descrever a terceira fase do capitalismo, que consiste na exploração da cultura como uma mercadoria sem contemplar plenamente todas as suas implicações. O termo patrimônio cultural intangível foi incorporado ao direito internacional com o propósito explícito de proteger esses bens e seus detentores. Entretanto, sua mera inclusão não garante nada. Além disso, seu escopo é limitado. A própria Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (UNESCO, 2003) omite a questão da propriedade coletiva do patrimônio cultural e sua proteção. Será necessário, portanto, aguardar um processo que se originará de um movimento geral pelo direito à autodeterminação e à autonomia dos povos, a partir do qual será garantida sua integridade cultural, enriquecida com a contribuição de novas categorias, como a do patrimônio biocultural, pois é a fonte que permite as condições de sustentabilidade das comunidades e de sua cultura.

Isso ajudaria os povos a identificar o tipo e o grau de afetação de seu patrimônio, já que as condições sob as quais a desapropriação ocorre atualmente, como no caso do conhecimento tradicional (por exemplo, com a implementação do Protocolo de Nagoya como uma política nacional no México), são diferentes do que pode ser exatamente o caso da extração de recursos como os minerais.

A novidade consiste no fato de que essas tecnologias possibilitam a duplicação dos bens para consumar sua apropriação. Por meio de sua aplicação, é possível obter uma duplicação desses bens com relação às suas propriedades sem que eles sofram qualquer alteração. Mesmo sem afetar os sistemas interpretativos dos atores sociais. Por outro lado, há um interesse crescente nos modos nativos de interpretação, na medida em que eles possibilitam discernir a eficácia prática de suas aplicações, por exemplo, na medicina tradicional, o que permite que as empresas economizem as despesas e o tempo envolvidos em repetidas tentativas de tentativa e erro.

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Eu responderia afirmativamente, mas ressaltaria que essas noções pertencem a domínios conceituais diferentes e também que elas têm limitações. O patrimônio cultural intangível, acordado pela unesco em 2003, estabeleceu uma política de conservação e cooperação internacional para sua salvaguarda e apoio. Ao fazer isso, estimulou a criação de instâncias nacionais em vários países para registros culturais que oferecem limites, embora frágeis em muitos casos, aos constantes ataques que afetam sua continuidade.

O conceito de apropriação cultural, por outro lado, fica emaranhado em sua própria extensão e ambivalência sobre quem se apropria do que de quem e por meio de que tipo de relações.

Sobre a apropriação, quero evocar aqui algumas afirmações instigantes feitas por Homi Bhabha em uma reunião de discussão sobre esse tópico.1 Ele observa que ninguém fala sobre apropriação até que alguém considere que algo inapropriado está acontecendo, e enfatiza a inadequação do uso da apropriação para qualquer interseção cultural. Por fim, ele chama a atenção para o senso de propriedade que pode surgir na noção de apropriação, com a pergunta "a quem pertence o quê?" (Asega et al., 2017).

Há nessa declaração uma ênfase na "relacionalidade" que problematiza o conceito de apropriação cultural. O adjetivo cultural acrescenta imprecisão a ele. Portanto, eu tenderia a não ver nesse conceito um passo à frente para a autonomia dos grupos indígenas, para que assumam a questão em seus próprios termos. No que diz respeito à diversidade cultural, o desafio é criar as condições não apenas para a tolerância da diversidade e das identidades, mas fundamentalmente para a existência e a simetria entre as diferenças. Na bela formulação de Tim Ingold, usada como metáfora, a aranha dança com a mosca na teia, mas nem a mosca se torna a aranha nem a aranha a mosca (2011).

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Um dos principais problemas ao abordar a questão da proteção das expressões culturais é a homogeneização das categorias conceituais com as quais tentamos explicá-la. Essa circunstância faz com que os processos de teorização não sejam paralelos aos processos reais vividos pelas comunidades ou povos originários, indígenas ou afro-mexicanos e, portanto, não contribuem necessariamente para a realização de processos de autonomia nesses espaços.

É importante considerar que, mesmo na esfera acadêmica e jurídica, há discussões hoje sobre os conceitos de cultura, patrimônio cultural imaterial e expressões culturais, que ainda não são consensuais. Assim, na América Latina, as propostas teóricas estão sendo desenvolvidas a partir da própria cosmovisão dos povos nativos e indígenas em uma postura anticolonial, ou seja, para a construção de uma verdadeira autonomia e libertação com base em suas próprias propostas filosóficas, teóricas e até mesmo jurídicas.

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Grande parte da legislação recente sobre expressões culturais enfatiza que festivais, músicas, trajes e conhecimentos medicinais de diversas culturas são fontes cruciais de identidade. Essa é uma boa estratégia para garantir a sobrevivência de comunidades ameaçadas por imposições hegemônicas? Ou, ao contrário, há o risco de reificar as expressões culturais e impedir a transformação das identidades sociais?

A etnicização e a culturalização dos povos indígenas e afrodescendentes têm sido muito bem-sucedidas porque andam de mãos dadas com a folclorização e a mercantilização de suas vidas. Devido aos desequilíbrios de poder, os capitalistas ganham mais com essa culturalização e folclorização do que os próprios povos, porque criam símbolos e espetáculos que têm o poder de ocultar a história colonial de violência e roubo, criando a ilusão de que "apreciam" a "etnia" ou que "valorizam nossa cultura", devolvendo-a a nós como uma mercadoria.

Sem dúvida, diante da ameaça de roubo, apropriação ou destruição do conhecimento, surgem mecanismos comunitários de proteção. Estou pensando nas Escolas de Tecelagem, implementadas pelo Movimento Nacional de Tecelões Maias da Guatemala, cujo objetivo é salvaguardar comunitariamente o conhecimento milenar, defender a autonomia na confecção de nossas próprias roupas, transferir sabedoria intergeracionalmente, promover o cuidado da Mãe Terra, defender territórios e bens comunitários etc. Também estou pensando na proteção coletiva de sementes nativas, na produção de medicamentos e alimentos ancestrais por mulheres de diferentes comunidades, que ao mesmo tempo defendem seu território contra empresas transnacionais. Tudo isso, sem dúvida, promove o que foi chamado de "identidade", mas vai muito além disso, pois é uma defesa integral contra a ameaça de destruição de suas vidas.

O que deve ser reconhecido é a criatividade na defesa da vida de muitas comunidades, cujos habitantes, com grande dignidade, se recusam a ser objetificados para defender comunitariamente o que criaram ao longo de milênios, sem ignorar a destruição que esses sistemas causaram quando criaram confrontos dentro das mesmas comunidades e povos. É essencial desativar a ideia de que as criações dos povos indígenas são exclusivamente "expressões culturais", porque isso é apenas um sinal da separação que o mundo ocidental fez.

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No contexto do turismo global, houve casos de rituais transformados em espetáculo, e há uma tendência de mostrar a identidade retoricamente como uma característica distintiva no próprio gesto pelo qual ela é reificada. A política de identidade é uma estratégia para o reconhecimento dos povos, mas muitas vezes tem se concentrado na formação de uma imagem essencializada da identidade, ou afirma-se que ela é preservada de qualquer forma, apesar da perda de território, idioma ou hábitos alimentares, como se pudesse sobreviver após e apesar da dissolução de seus principais referentes. Por outro lado, as identidades podem ser reconfiguradas por meio do contato com outras influências culturais sem desaparecer.

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Para responder a essa pergunta, descreverei brevemente um contexto parcial2 sobre o conflito entre a coleção "Tribos" de sandálias Havaianas (produzida pela fábrica Alpargatas) e o grafite Yawalapiti (Alto do Xingu, Mato Grosso).3.

Ilustração 1. Nesta imagem reproduzida em uma reportagem do jornal El País (Novaes, 2015), podemos ver que os chinelos são estampados com os grafismos do povo Yawalapiti (Alto do Xingu, Mato Grosso).
Ilustração 2: Imagem de um desenho da Associação Yawalapiti Awapá.

Essa coleção provocou um intenso debate sobre as questões levantadas aqui, ou seja, se os desenhos eram de propriedade coletiva ou se eram protegidos por direitos autorais e quem deveria autorizar sua reprodução. Ou seja, se os desenhos eram de propriedade coletiva ou se eram protegidos por direitos autorais, e a questão de quem deveria autorizar sua reprodução: os autores dos desenhos, parte do coletivo, qual coletivo? Essas questões surgiram do fato de que a agência de publicidade que produziu a campanha da coleção "Tribes" obteve o direito de usar e reproduzir os desenhos de um Yawalapiti, mas não do putaki wikiti ("dono da aldeia", ou o chefe do povo Yawalapiti). Também não houve consulta ou consentimento dos outros povos do Alto Xingu.

No caso da coleção "Tribos", não se tratou de uma descontextualização colonial clássica, mas de um gesto político e de um grande mal-entendido. Em seu favor, Anuiá Yawalapiti alegou que havia feito isso porque a coleção "Tribos" não era comercial, pois era uma produção limitada e de distribuição gratuita. Ele também afirmou que "não sabia que tinha que pedir permissão porque o desenho era meu, a pintura era minha".

A distribuição gratuita, com a intenção publicitária da empresa Alpargatas (detentora da produção das sandálias Havaianas), não anulou o caráter comercial da coleção "Tribos". Mesmo sem a venda direta dos produtos, uma ação publicitária constitui uma extensão comercial. Mas poderíamos acrescentar que design e produto, uma vez unidos, transformam-se mutuamente? De que forma? Essa seria uma hipótese para uma investigação sobre os pressupostos da "biografia cultural das coisas".4

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É importante considerar que vincular a identidade cultural a expressões não implicaria, por si só, um risco de reificação; no entanto, o problema atual se concentra no uso de um discurso duplo para justificar a proteção dessas expressões.

Se analisarmos os instrumentos legais existentes em vários países para a proteção de expressões culturais, incluindo a recente Lei Federal para a Proteção do Patrimônio Cultural dos Povos e Comunidades Indígenas e Afro-Mexicanos, veremos que, em sua justificativa, ela propõe o reconhecimento do vínculo identidade-expressão.

O problema com essas legislações é que o desenvolvimento de mecanismos de proteção se concentra no objeto e não no sujeito que o cria; dessa forma, ao reconhecer o direito de identidade vinculado à criação e não ao sujeito, gera-se uma legislação que acaba objetivando as expressões e, portanto, mercantilizando-as.

Diante desse panorama, o que se requer é a geração de marcos legais que fortaleçam os processos de autonomia reconhecidos nos marcos constitucionais, bem como na Convenção 169 sobre povos indígenas e tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ou seja, pensar e construir de forma diferente da lei, pensar nos povos indígenas e afro-mexicanos como sujeitos que podem gerar seus próprios mecanismos de proteção, em coordenação com o Estado mexicano.

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Bibliografia

Asega, Salome et al. (2017). “Apropriação cultural: uma mesa redonda”. Porto Arte: Revista de Artes Visuais, vol. 22, núm. 37, pp. 1-24. http://dx.doi.org/10.22456/2179-8001.8013

Ingold, Tim (2011). “When ant Meets spider. Social Theory for Arthropods”, en Tim Ingold, Being Alive. Essays on Movement, Knowledge, and Description. Nueva York, Routledge, pp. 89-94

Kopytoff, Igor (1986). “The Cultural Biography of Things: Commoditization as Process”, en Arjun Appadurai (ed.), The Social Life of Things: Commodities in Cultural Perspective. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 64-92. https://doi.org/10.1017/CBO9780511819582.004

Novaes, Marina (2015, 14 de febrero). “As sandálias da polêmica”. El País. Recuperado de https://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/13/politica/1423839248_331372.html, consultado el 18 de febrero de 2022.

Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura (unesco) (2003). Convención para la Salvaguardia del Patrimonio Cultural Inmaterial. Recuperado de https://ich.unesco.org/en/convention, consultado el 18 de febrero de 2022.

Strathern, Marilyn (2004). Partial Connections. Lanham: Rowman & Littlefield.


Rachel Barber é estudante de doutorado em Ciências Sociais na ciesas Occidente. Ela trabalha na construção de identidades trabalhistas de tecelões artesanais nas terras altas de Chiapas. Sua tese de mestrado, Um gosto adquirido: artesanato mexicano e a adaptação sociocultural de migrantes americanos em Chapala, que trata da relação entre o consumo de artesanato e a adaptação sociocultural de aposentados norte-americanos em Chapala, México, foi publicada pela Universidade de Guadalajara em 2021. Ela está interessada nos tópicos de cultura material, mudança social e antropologia do trabalho, e na incorporação de métodos documentais e audiovisuais em estudos etnográficos.

Aura Cumes é uma Kaqchiquel Maya da Guatemala, pensadora, escritora, professora e ativista. Ela tem como princípio ético político o questionamento de todas as formas de dominação. Grande parte de seus esforços tem se concentrado na luta contra o sexismo e o racismo, vistos como problemas produzidos por dois grandes sistemas de dominação: o colonialismo e o patriarcado. Doutora em Antropologia pelo Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social (ciesas) México. Mestre em Ciências Sociais pela flacso Guatemala. Co-compiladora do livro La encrucijada de las identidades, feminismos y mayanismos en diálogo (2006) e coautora da pesquisa Mayanización y vida cotidiana, el discurso multicultural en la sociedad guatemalteca (2007).

Xóchitl Eréndira Zolueta Juan é formado em direito e mestre em direito pela Faculdade de Direito da UnamUnam. Ele é especialista em direito indígena, direitos humanos e direito ambiental, com experiência em litígios civis, criminais, familiares e de amparo. Colabora com organizações não governamentais nacionais e internacionais, ministrando workshops, cursos, diplomas e seminários. Trabalhou no Instituto Nacional Indigenista e no Instituto Nacional de Antropologia e História. Tem experiência de ensino na Faculdade de Direito da unam, na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, México, no Instituto de Formação Profissional e Estudos Superiores da Procuradoria Geral da cdmx e na Universidade para o Bem-Estar Benito Juárez. Atualmente, ele também colabora com o coletivo Chimalli, Derechos Culturales.

Jesús Antonio Machuca Ramírez é sociólogo da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da unam. Atualmente, é professor pesquisador do Departamento de Etnologia e Antropologia Social da inahinah. Ministrou cursos sobre antropologia e patrimônio cultural na Escola Nacional de Antropologia e História. Coordenou os seminários El Patrimonio Cultural en el Contexto de las Transformaciones del Siglo xxi e Aproximaciones multidisciplinarias al estudio de la memoria, com a Dra. Anne Warren Johnson, bem como o Diplomado de Análisis de la Cultura y Patrimonio y Cultura, na Coordinación Nacional de Antropología del . Atualmente, ele está realizando uma análise dos desafios institucionais impostos pelos paradigmas da diversidade cultural, dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável.

Suely Kofes é professora titular do Departamento de Antropologia, ppgas e do Programa de Doutorado em Ciências Sociais. É coordenadora do Laboratório Antropológico de Grafia e Imagem (LA'grima), ifch, Unicamp. É bacharel em História (ufgo) e mestre em Antropologia Social. Ela tem doutorado pela École des Hautes Études e pela usp. Ela foi professora visitante na Universidade Autônoma de Barcelona e na Universidade de Cambridge (1999/2000), na Universidade de Illinois e na ehess (2006-2007). Publicações: Mulher, Mulheres: Identidade, Diferença e Desigualdade na relação entre patroas e empregadas domésticas, Editora da Unicamp (2000), Uma trajetória, em narrativas (Mercado das Letras, 2015), Vida&Grafias, Lamparina.

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