Testemunhos autobiográficos. Parte dois: Marxismo e colonialismo interno.

Recepção: 12 de setembro de 2019

Aceitação: 20 de setembro de 2019

Na edição anterior do Encartes, foi publicada a primeira parte desses depoimentos. Nela, Rodolfo Stavenhagen falou de episódios de sua infância e início da juventude: seus primeiros anos no México, sua descoberta da antropologia e suas experiências com o indigenismo. Esta segunda parte salta para a década de 1960: treinamento de doutorado em Paris, seguido por dois anos de trabalho profissional no Brasil, culminando com o retorno ao seu país de adoção. As duas partes contêm fragmentos de várias conversas com Rodolfo sobre suas experiências intelectuais e convicções morais, em sua casa em Cuernavaca, sob a generosa hospitalidade de sua esposa Elia, em 2015. Tentamos seguir uma certa ordem cronológica, mas não havia uma agenda predeterminada: a conversa fluiu espontaneamente. Infelizmente, sua saúde piorou. Ele faleceu no ano seguinte. Ainda havia muitas coisas interessantes a serem ditas.

Quando Rodolfo chegou a Paris, no outono de 1959, para fazer seu doutorado, a cidade era palco de movimentos intelectuais vigorosos e inovadores com impacto global. O estruturalismo antropológico, liderado por Claude Lévi-Strauss, e os marxismos de várias vertentes se destacavam: um deles ligado ao estruturalismo (seu porta-estandarte era Louis Althusser), outros ao maoismo, ao trotskismo e a várias visões anticolonialistas. O existencialismo e o marxismo dogmático (ainda marcado pela herança stalinista) não entusiasmavam mais os jovens; o próprio Sartre estava inclinado às teses de Mao Tsé-Tung. O início da década de 1960 viu a morte prematura de Albert Camus, o pensador independente que colocou a honestidade intelectual e ética acima de qualquer ortodoxia. Os historiadores disputaram sobre a história social e econômica introduzida pela Escola dos Anais. Duas figuras radicais, influenciadas pelo estruturalismo, mas com seus próprios caminhos, provocaram cismas: Jacques Lacan entre os psicanalistas e Roland Barthes entre os críticos literários e semiólogos. Em 1961, Michel Foucault publicou História da loucura e lançou sua carreira polêmica e discussões epistemológicas duradouras. Ao mesmo tempo, a guerra de independência da Argélia, que culminou em 1962, estava em andamento, despertando paixões irreconciliáveis e questionando as ideias políticas francesas.

Stavenhagen ingressou na Escuela Práctica de Altos Estudios, que permitia que os alunos escolhessem cursos e desenvolvessem seu próprio projeto de pesquisa desde o início, sob a direção de um pesquisador maduro (a Seção VI dessa instituição era dedicada ao conhecimento socioeconômico; mais tarde, ela se tornou independente e passou a se chamar Escuela de Altos Estudios en Ciencias Sociales). Mas o jovem estudante de doutorado não aderiu a nenhuma ortodoxia. Ele escolheu como diretor o africanista Georges Balandier, um dos fundadores da antropologia política na França. Pensador independente de esquerda, ele não tinha a fama de Lévi-Strauss, mas seu valor acadêmico não era menor. Para Rodolfo, a descoberta da antropologia africanista foi paralela à descoberta das origens coloniais dos países do Terceiro Mundo, incluindo os da América Latina. A decisão de escrever sua tese sobre um tópico amplamente inexplorado: classes sociais em países pós-coloniais, predominantemente agrários, representou um desafio aos dogmas predominantes; responder a isso exigiu que ele mergulhasse em uma literatura praticamente ignorada pela academia mexicana (certamente pela enah(como ele comenta na entrevista). O conhecimento de Rodolfo sobre o mundo pós-colonial e suas lutas foi ajudado por sua amizade com vários colegas estudantes que mais tarde se tornariam figuras da esquerda intelectual internacional: Claude Meillassoux, Samir Amin, Michael Lowy... Esses anos resultaram na vocação internacionalista de Rodolfo, em seu interesse pelos direitos dos povos colonizados e em um livro que hoje pode ser considerado um clássico: Classes sociais em sociedades agrárias.

Na última seção do trecho publicado aqui, Stavenhagen relata sua experiência como secretário do Centro Latinoamericano de Investigaciones en Ciencias Sociales (Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais) e editor fundador da revista América Latinano período de 1962-1964. Foi nesses anos que ele e Pablo González Casanova cunharam o conceito de colonialismo interno e a transformou em uma poderosa ferramenta analítica. Também foi nessa época que surgiu em nosso continente a rede de pesquisadores que impactou as ciências sociais do mundo com a discussão sobre a dependência. Um desses pesquisadores foi, é claro, Rodolfo Stavenhagen. Mas seus anos no Brasil terminaram abruptamente, com o golpe militar que derrubou o presidente Goulart.

Em um futuro próximo, outros trechos dessas conversas serão disponibilizados no site ciesas Oeste. Reitero meus agradecimentos ao meu admirado e saudoso amigo Rodolfo e a Elia Gutiérrez de Stavenhagen. Agradeço também a Regina Martínez Casas, que se encarregou da gravação do vídeo e participou das conversas, e a Saúl Justino Prieto Mendoza, por sua eficiente assistência na edição.

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