Cultura, assédio e sociedade; de hegemonias e feminismos

Recepción: 27 de noviembre de 2019

Aceptación: 11 de diciembre de 2019

Assédio: denúncia legítima ou vitimização?

Marta Lamas, 2018 Fondo de Cultura Económica, México.

L, o mais recente trabalho da antropóloga e feminista Marta Lamas1, prova que um título é performativo. A pergunta com a qual ele pretende nos apresentar o conteúdo nos questiona, seja ela desafiadora ou atraente. No México, a recepção tem sido favorável, embora não crítica (Zapata, 2018; Toriz, 26 de setembro de 2018; Vélez, 2019), com algumas exceções (Fernández de la Reguera Ahedo, 2019; Estévez, 2019). No cenário ativista, gerou a rejeição de jovens feministas e da Rede Mexicana de Feministas Diversas (21 de novembro de 2018).

"Assédio e confusão" (17 de abril de 2019), latfem), a primeira resenha na Argentina, reconhece o legado de Lamas e, ao mesmo tempo, descarta a abordagem com a qual ela problematiza o assédio. Nesse sentido, declara que a "última onda da maré feminista irrompeu para transformar os pactos de intercâmbio",2 Essa é uma declaração que justifica a "quarta onda" que engloba as atuais mobilizações transnacionais em torno de diferentes demandas feministas. No país sul-americano, essa onda seria inexplicável sem pensar na "maré verde", com a qual se descreve a luta pela legalização do aborto. Embora Lamas não dialogue com a "quarta onda" - como aponta Diana Maffia (24 de março de 2019, Perfil) - como não é seu objetivo, ele o ignora completamente, embora mencione Rita Segato, uma de suas referências mais importantes (pp. 14, 48-49).

O principal objetivo do livro é criticar o "discurso hegemônico do bullying". Embora ele nunca seja explícito sobre o que quer dizer com hegemonia,3 Em seus argumentos, podemos vislumbrar que ela tem uma noção coercitiva. Além disso, a hegemonia também é interpretada como uma tensão entre coerção e consenso, ou seja, de luta (Roseberry, 1994). Assim, ele enquadra sua argumentação no debate entre o movimento #MeToo e o manifesto Defendemos a liberdade de importação, indispensável para a liberdade sexual. (Le Monde5 de janeiro de 2018) cujo "eixo de confronto" era o assédio (p.12), que se transformaria em uma diferença cultural em torno das "guerras de sexualidade" em eua e na França. Com uma prescrição essencialista da "cultura americana" como puritana e da "cultura francesa" como sedutora, ele analisa a "disputa cultural" em torno da sexualidade com base em casos que envolvem aspectos sexuais.4

"A aspiração inicial do feminismo, que buscava um sexo alegre e sem culpa, tornou-se uma denúncia perpétua do trauma da violência sexual" (2018: 116) é uma percepção A obra é um exemplo da posição de Lamas em relação a essa disputa cultural, reafirmada pela incorporação do manifesto no final da obra. Confrontado com a noção de que a liberdade sexual pode implicar constrangimento e rejeição, o #MeToo faria parte de um feminismo conservador que tornaria qualquer exigência sexual sinônimo de assédio (2018: 84). Assim, seria contraditório com uma suposta conquista da "revolução sexual", sobre a qual Lamas não menciona críticas (Fraser, 2012; de Miguel, 2015) ou processos históricos diferentes dos de eua e na França (Cosse, 2008; Felitti, 2010; Schild, 2015).

Essa exclusão é surpreendente, uma vez que, em todo o conteúdo, ela indica a "lacuna social" gerada pelo porta-estandarte de um feminismo - nesse caso, o feminismo radical - cujas condições de produção são estranhas às nossas. É aqui que ela constata que se trata de um "discurso hegemônico" - delimitado pelas feministas radicais e apoiado pelas feministas da governança (p. 11) - que evoca o "mulherismo" e a "vitimização", traduzidos em uma "virada punitiva e carcerária" que cristalizou as mulheres como "vítimas impotentes e oprimidas" e os homens como "perpetradores violentos e dominadores" (pp. 53-54).

Lamas distingue o "mulherismo-vitimismo" da "abordagem feminista que defende a necessidade de um trabalho político com as mulheres" (p. 52). Embora não especifique em que consistiria esse trabalho, ela se refere às ideias da acadêmica Janet Halley em apoio a essa diferenciação em relação ao feminismo de dominânciaque envolveria pensar sobre as possíveis combinações de dano, inocência e imunidade (p. 55). Assim, ela parece se inclinar para uma perspectiva interseccional, que apresenta no exame da queixa feita pela jornalista mexicana Tamara de Anda contra um motorista de táxi que a chamou de "linda", termo que - do seu ponto de vista - não seria um "assédio", mas um "elogio", devido à sua "carga cultural positiva".

Em seguida, ele especula: "Não sei se Tamara teria reagido da mesma forma se, em vez de um motorista de táxi (moreno e baixo), um jovem bonito e loiro tivesse atirado o 'guapa' nela. Receio que o contexto do incidente também seja atravessado pelo racismo e pelo classismo - e com eles cruzado" (p. 87). Ela continua argumentando que nas "sociedades judaico-cristãs" há um ideal cultural de feminilidade marcado por "conduta sexual virtuosa" (pp. 88-91). Sua aspiração de problematizar de forma interseccional a interação entre categorias que atravessam as interações dos diferentes setores da sociedade mexicana carece do rigor metodológico necessário e contribui para a "vergonha" (vergonha) das ações de Tamara de Anda.

Com um breve relato da regulamentação do assédio nas universidades em eua Durante a década de 1980, ele historiciza "linchamentos verbais", escrache e outras "ações terroristas" (p. 68), em que houve um crescimento do "pânico sexual" - uma espécie de "pânico moral" - tingido de "androfobia", devido à influência do feminismo radical (p. 58), em que o sexo e a sexualidade eram divulgados como perigosos; ele omite que em países sul-americanos, como a Argentina, o escrache data do período pós-ditadura.

Nessa linha, a autora questiona - a partir da perspectiva da psicanálise - a primazia da subjetividade na denúncia do assédio - "se você sentiu que foi assediada, é porque foi" -, pois encontra uma interferência de elementos e fantasias inconscientes, além de intolerância, confusão, hipersuscetibilidade e ressentimento; esse conjunto de elementos invalidaria a responsabilidade de outra pessoa (pp. 61-67). No entanto, ele individualiza um processo coletivo de construção de um problema público e torna invisível uma mudança cultural geracional.

Outra questão levantada é se as "trocas sexuais instrumentais" nas quais a mulher obtém um "benefício" econômico e/ou empregatício podem ser classificadas como assédio. Do ponto de vista deles, não; já o uso do capital erótico5 O fato de as mulheres usarem o sexo feminino para conseguir algo faz parte dos costumes e hábitos. Antes de defender a eliminação dessa prática, Lamas considera que deve haver uma redistribuição do capital econômico e político que, em sua maior parte, permanece nas mãos dos homens; enquanto isso não acontecer, resta desestigmatizá-los (2018: 135). Mas ser relegada ao uso do capital erótico por uma hierarquia definida pela dominação masculina seria contribuir para a normalização da dominação masculina, em vez de sua transformação.

Após identificar os significados comuns que circulam no "discurso hegemônico", a autora propõe uma redefinição do assédio. Nesse contexto, ela define o assédio sexual como um comportamento sistemático. De acordo com sua classificação, se ocorresse uma única vez, seria "abuso sexual"; "assédio sexual" seria um tipo de "assédio no trabalho"; e "assédio social machista" ziguezaguearia a armadilha da "vitimização feminina" - um produto do "mulherismo" do feminismo radical (p. 144) -, pois contemplaria o assédio que homens e pessoas trans podem receber e sofrer.

Lamas argumenta que no México morrem sete homens para cada mulher e mostra indignação pelo fato de a violência contra os homens provocar menos reação (2018: 149). Com um uso indistinto de Bourdieu, ele considera essa suposta ausência de indignação como uma expressão de violência simbólica. Esclareçamos que a nuance da "violência de gênero" é resultado do processo de luta dos feminismos. No México, afligido por uma guerra sangrenta entre setores do Estado e narcotraficantes (e aqueles ligados entre si), foi dada ênfase a essa particularidade, que não anula outras violências atrozes, como os juvenicídios e os desaparecimentos forçados.

Novamente, a obra não dialoga com os feminismos latino-americanos, nem antropologiza a reterritorialização do feminismo radical. Com relação ao breve balanço6 sobre o México no epílogo, Lamas relega as iniciativas relacionadas ao assédio, como o Rua sem assédio e mobilizações dentro das universidades públicas, pois não contrasta as vozes e práticas locais que canalizaram a raiva, pelas quais expressa interesse (p. 146). Para traçar uma linha de análise - e não uma resposta - sobre como o "discurso hegemônico do assédio" é apresentado, vale esclarecer que não se trata de uma reprodução, mas de uma relação que envolve reapropriações. Para refletir sobre isso, a proliferação de #MeToo dentro do campo intelectual e da indústria cultural no México durante o primeiro semestre de 2019 - entre outros, MeTooAcadémicosMx - e suas polêmicas particulares, como a gerada em torno do suicídio de Armando Vega-Gil (Sosa, 2019).

A abordagem teórica de Lamas parece estar alinhada com o posicionamento político de setores contrários ao feminismo que desacreditam sua luta ao chamar as feministas de "feminazis", "hembristas" e "misandristas". O fato de impedir o avanço do feminismo radical, como no caso de Rita Segato, constitui um olhar para as ideias debatidas no Norte geopolítico (nesse caso, Estados Unidos e França), mas gera múltiplas dúvidas sobre o "abaixamento da linha" ou o debate para o caso do México - e para não mencionar uma América Latina varrida por uma maré de lenços verdes - em que a dominação aparece a partir de sua própria noção de hegemonia, que omite reapropriações, silencia vozes e tira criatividades.

Bibliografia

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