O que é "ideologia de gênero": transformações sociais e políticas no Brasil por meio da apropriação de uma estratégia discursiva?

Recepção: 6 de fevereiro de 2019

Aceitação: 13 de fevereiro de 2020

Fbrasileira, a perspectiva sociológica de Maria das Dores Campos Machado tornou-se um ponto de referência na América Latina para a compreensão de várias questões na interseção de religião, gênero e política. Sua carreira acadêmica se desenvolveu na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde é coordenadora do Centro de Pesquisa em Religião, Gênero, Ação Social e Política.

O trabalho de pesquisa de Maria das Dores é de grande relevância para compreender, a partir de uma perspectiva de gênero, as particularidades do crescimento dos evangélicos no Brasil, bem como as transformações na politização dos atores parlamentares e religiosos nesse setor. Ao longo de sua carreira, ela investigou as relações de gênero e a sexualidade no campo pentecostal, a participação política dos evangélicos em questões de moralidade sexual e as diferentes maneiras pelas quais as religiões se posicionam em relação à homossexualidade.

Nos últimos anos, o foco tem sido analisar a forma como o discurso da "ideologia de gênero" foi introduzido tanto nas câmaras legislativas quanto na sociedade brasileira. Falamos sobre essa questão no âmbito da Plataforma de Diálogo. enseadas "Religiões e espaço público na América Latina", em novembro de 2019, em Guadalajara, México.

Esta entrevista é uma importante abordagem para entender a origem do termo "ideologia de gênero" como uma elaboração discursiva criada pela Igreja Católica para barrar os avanços da agenda feminista e da diversidade sexual. Nessa conversa, Maria das Dores Campos Machado revela como essa estratégia, de origem católica, foi utilizada por deputados e senadores evangélicos no Brasil como contraofensiva à perspectiva de gênero nas políticas públicas, o que, por sua vez, desviou a atenção de diversas práticas de intolerância religiosa que colocaram grupos e atores pentecostais no centro da opinião pública.

Também reflete sobre as consequências da apropriação do discurso da "ideologia de gênero", tais como: a polarização de famílias com visões de mundo opostas, a normalização e a banalização do discurso de ódio, a fragmentação do tecido social, a desinformação e a disseminação de notícias falsas.

Na segunda parte desta entrevista, discutimos as práticas de resistência no Brasil à ascensão do neoconservadorismo, do pós-fascismo e das políticas autoritárias que aumentam a desigualdade, bem como a centralidade da imagem de Marielle Franco - uma mulher negra, lésbica e feminista assassinada no Rio de Janeiro em 2018 - como um símbolo de resistência dentro e fora do país.

Por fim, Maria das Dores apresenta uma visão geral dos cenários futuros no Brasil diante do temor da sociedade brasileira de um retorno da ditadura militar com Bolsonaro à frente do governo, bem como sobre gênero e sexualidade.

Esta entrevista representa uma oportunidade de voltar nosso olhar para o Brasil e, a partir disso, de nossa própria realidade, repensar as transformações pelas quais a América Latina está passando em termos políticos e religiosos, que não escapam das redes globais que tentam produzir mudanças de direção, como o discurso sobre a "ideologia de gênero", que tem questionado a secularidade de alguns Estados-nação, bem como o avanço da secularização nas sociedades contemporâneas.

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