Breve comentário

Recebido em: 3 de fevereiro de 2017

Aceitação: 13 de março de 2017

O fim do neoliberalismo, ou pelo menos seu declínio total, trará um renascimento da antropologia? Talvez, mas para que isso aconteça, teremos que fazer mais do que sair e nos manifestar. Embora eu simpatize com o manifesto dos antropólogos da Polônia que Gustavo Lins transcreve em seu interessante artigo, há obstáculos que a antropologia terá de superar para alcançar a relevância que merece atualmente.

A primeira tentação que nossa disciplina deve evitar é a de achar que sempre esteve certa e que tudo foi dito ou previsto pelas gerações passadas. Essa atitude pouco contribuirá para aprimorar o papel político ou cultural da antropologia, por mais gratificante que seja adotá-la, especialmente para os mais velhos, que muitas vezes sentem a necessidade de finalmente ter razão em alguma coisa. Pelo contrário, teremos de mudar práticas, rotinas e lugares-comuns em nosso campo e, acima de tudo, em seu ensino; somente assim mereceremos novamente um lugar digno no debate público.

Para entender o motivo, vale a pena examinar as razões pelas quais a crise do neoliberalismo favoreceria o renascimento da antropologia e, especialmente, da etnografia. O principal motivo é simples: o rei das disciplinas do neoliberalismo, a economia e a ciência política, rendeu-se à teoria dos jogos e à escolha racionale isso foi suficiente. Por fim, a ideia de que o mundo social é construído com base em microdecisões, feitas por atores que buscam maximizar suas vantagens, é contrária ao preceito mais fundamental da antropologia social, pronunciado, por exemplo, por Émile Durkheim quando afirmou que o social é um nível de análise que não pode ser reduzido aos impulsos dos indivíduos. Assim, as disciplinas dominantes do neoliberalismo subestimaram a sociologia em seu sentido mais amplo e, em vez disso, imaginaram que o mundo pode ser explicado pelos atos racionais (e egoístas) de seus indivíduos.

Esse preceito (ou melhor, essa postura metodológica) funcionou bem durante a ascensão da globalização e do livre comércio, porque as teorias derivadas desse método eram, ao mesmo tempo, instrumentos de política econômica. Por fim, a transição neoliberal exigiu que o Estado rompesse o tecido social, desmantelasse a "economia moral" e reordenasse o mercado. Os preceitos metodológicos da economia e da ciência política serviram para consolidar, justificar e aumentar a autonomia dos mercados. Quando se vive em um momento como esse, é tentador jogar o pensamento sociológico no mar. Talvez seja até necessário deixá-lo de lado, pois o ponto é imaginar que os laços sociais são passíveis de manipulação pelo mercado, não só para a análise econômica, mas até mesmo para a política.

Por outro lado, o que Gustavo Lins chama de "ascensão da direita" infelizmente coincidiu com o declínio do neoliberalismo. Ou melhor, é o estágio mais recente do declínio do neoliberalismo e, com ele, renasce a necessidade de reconhecer, descrever e explicar o mundo social, porque, finalmente, é esse mundo social "irracional", ignorado por economistas e cientistas políticos, que tem impulsionado os novos movimentos de direita e de esquerda que estão dando um golpe na fórmula neoliberal da globalização. Portanto, a antropologia pode renascer hoje porque é necessária para explicar o ambiente imediato.

Entretanto, nós, antropólogos, precisamos aproveitar a oportunidade. Precisamos estar à altura do desafio. Acho que isso exigirá uma reorientação de nossas práticas de redação e publicação, como sugere Gustavo. Também teremos que reorientar nossas práticas de ensino. Especificamente, para ter sucesso, no caso do México e da maior parte da América Latina, o treinamento básico dos antropólogos deve introduzir pelo menos três assuntos que estão praticamente ausentes de nossos currículos, tão sobrecarregados com o ensino autorreferencial da história de nossa disciplina. São elas:

  1. Cursos destinados a ensinar o estudante de antropologia a dialogar com cientistas sociais e operadores de políticas públicas que trabalham com dados quantitativos. Isso implicaria em um ensino básico de gerenciamento de dados sociométricos para o etnógrafo, um assunto que está visivelmente ausente no ensino atual.
  2. Uma introdução robusta às "humanidades digitais".
  3. Um curso sobre como escrever projetos para obter financiamento e apoio de instituições públicas e privadas.

Atualmente, os cursos de antropologia mexicanos mudaram pouco em sua concepção desde as décadas de 1970 e 1980. Em muitos casos, o currículo do antropólogo se tornou um instrumento de autoafirmação do corpo docente. No entanto, como Gustavo aponta aqui, a antropologia já perdeu muito prestígio e sua situação no debate público e acadêmico não é mais a mesma. Ninguém vai ceder o que foi perdido, e os antropólogos dificilmente conseguirão ganhá-lo repetindo seus velhos conhecimentos, mesmo que o declínio do neoliberalismo abra objetivamente um espaço urgente para a antropologia. A conquista desse espaço exigirá um forte processo de transformação.

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